Esse Viver Ninguém Me Tira


Esse Viver Ninguém Me Tira, documentário biográfico e dramático de Caco Ciocler, codirigido e corroteirizado por Alessandra Paiva, 2014.

Enredo: “A Aracy, minha mulher, Ara, pertence este livro” é a dedicatória do escritor João Guimaraes Rosa à bela Aracy, sua segunda esposa.
Aracy Moebius de Carvalho era uma mulher à frente de seu tempo. Em meados dos anos 30, separada e com um filho pequeno, fluente em inglês, francês e alemão, conseguiu um emprego como chefe do setor de passaportes do consulado brasileiro em Hamburgo, na Alemanha, onde morava a irmã da mãe, que por algum tempo poderia lhe dar suporte. Pouco depois, ela ciceroneava pela cidade o recém-chegado cônsul-adjunto, o escritor Guimarães Rosa, seu futuro marido. No final dos anos 30, principalmente depois da Noite dos Cristais (09/11/38), quando a perseguição nazista aos judeus aumentou ferozmente, Aracy passou a agir contra a criminosa Circular Secreta 1.127, de 1938, emitida pelo ditador Getúlio Vargas, que taxava os judeus como indesejáveis, conseguindo obter vistos de permanência para os judeus de Hamburgo (enganava o cônsul misturando os pedidos de vistos a outros papéis aguardando assinatura). Com o apoio de Guimarães Rosa (ainda que este temesse as possíveis consequências para “Ara” se descoberta pelos superiores, ou, pior ainda, pelos nazistas), Aracy ajudou a falsificar vistos, obtendo vistos até para não residentes na cidade, desviou parte da comida do consulado e chegou a transportar um refugiado no porta-malas de seu carro, pois que gozava de imunidade diplomática. Como resultado, salvou a vida de dezenas (ou para lá de uma centena) de judeus. E surgiriam mais momentos dramáticos quando, em 1942, Alemanha e Brasil romperam relações. Mais tarde, durante a ditadura militar brasileira, ainda deu abrigo a perseguidos pelo regime.

Avaliação: Quem cometeu o crime? Aracy, insurgindo-se contra as imorais diretrizes varguistas, ou o ditador, ao emiti-las? Não restam dúvidas… E assim, junto com o embaixador Souza Dantas, outro injustiçado pelo governo varguista e igualmente esquecido na história do Brasil, Aracy foi merecidamente homenageada na Avenida dos Justos Entre as Nações no Museu do Holocausto, o Yad Vashem, em Jerusalém.

Dada a terrível época e o fato de que Aracy ia contra as ordens superiores, não é de se admirar que os feitos do “Anjo de Hamburgo” tenham demorado a ser reconhecidos e publicados. Além disto, houve os obstáculos impostos pelas filhas do primeiro casamento de Guimarães Rosa ao acesso e divulgação de documentos da parte deles sobre o escritor. Visto de outra forma, isto foi ótimo, pois Aracy se tornou efetivamente a protagonista do documentário, baseado, além de nos depoimentos da família Tess (Eduardo Tess era o filho pequeno que com ela viveu na Alemanha), nos de jornalistas que a estudaram e admiram (destaque para Bella Herson, pelo seu importante papel em resgatar e apresentar a história de Aracy à comunidade judaica e que, com sua personalidade forte, adiciona humor às cenas em que aparece) e de familiares de sobreviventes (uma delas, Marion Aracy, recebeu o segundo nome como uma homenagem à protagonista) e em documentos guardados no Instituto de Estudos Brasileiros.

A bela e (num adjetivo perfeito que ela recebe de uma das entrevistadas) intrépida heroína, sozinha e com um filho pequeno, arriscou a sua vida para fazer aquilo que a ditadura proibia, mas a consciência mandava. Morreu aos 102 anos, vítima do Alzheimer que a consumiu por muitos anos e do esquecimento do país, mas aos poucos o resgate de sua memória vai ocorrendo. E este documentário em muito contribui com isto.

Caco Ciocler conseguiu fazer um documentário cativante, mesmo que baseado em poucas fontes escritas. Ficou pouco tempo em cartaz, mas talvez ganhe mais algum tempo na telona. De qualquer forma, vai passar no canal Arte 1 (http://arte1.band.uol.com.br/historia-de-aracy-guimaraes-rosa/).

Ah, assistam até os créditos, pois um dos melhores momentos Caco reserva para o fim, na gostosa conversa que tem com o avô e que o leva a mais uma descoberta.

Sobre Roberto Blatt

Sou formado em Engenharia Eletrônica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), tenho M.S. in Computer Systems and Information Technology pela Washington International University e MBA em Administração de Empresas pela FGV. Tenho mais de 25 anos de experiência profissional na área Administrativa Financeira, desenvolvidos em empresas nacionais e multinacionais dos segmentos automotivo, eletroeletrônico e serviços, vivenciando inclusive o start-up, dentro dos aspectos administrativos e financeiros e tendo atuado na gestão de equipes das áreas Administrativa, RH e Pessoal, TI, Financeira, Comunicação e Compras. Professor no Pós-Admin da FGV em Liderança & Inovação e Gestão de Pessoas. Para acessar meu blog com comentários e críticas sobre cinema, cliquem aqui ou, para artigos sobre Administração, Tecnologia e resenhas de livros, em aqui .
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